Desde que me conheço por professor, uma das atividades em grupos das quais sempre gostei foi o role play. Instintivamente falando, sempre me atraiu a possibilidade de levar aos meus alunos a diversão e o convite à imaginação que essa atividade proporciona, indo além das restrições impostas pelo dia-a-dia da sala de aula, mesmo nas escolas de idiomas pelas quais passei. Sempre me alegrava vivamente quando surgia a oportunidade de realizar essa atividade. E o mesmo ocorria com os alunos. A diversão era líquida e certa.
Afinal, o que é role play? Vejamos essa definição simples e precisa de Budden (2004):
“Role-play é qualquer atividade de conversação na qual ou nos colocamos no lugar de outra pessoa, ou ficamos no nosso próprio lugar, mas nos colocando numa situação imaginária.”
Com a experiência e o conhecimento adquiridos na profissão no passar dos anos, tanto na sala de aula quanto nos meus estudos visando certificações como o COTE (hoje ICELT) e o DELTA, passei a ver nessa técnica outros elementos valiosos para o que a grande maioria dos alunos hoje em dia necessita: o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de suas habilidades comunicativas. E não estou sozinho neste barco: já nos anos 70 e 80, nomes como Ken Jones, JYK Kerr, Gill Sturtridge e Gillian Porter Ladousse, entre outros, defendiam não só o role play, mas também a simulação, sua irmã, digamos, mais robusta, como técnicas de extrema utilidade para esse fim.
Assim, nada mais natural que possamos ver no role-play e na simulação modos de responder satisfatoriamente à necessidade do aluno. Necessidade essa pouco satisfeita, dada a própria natureza da sala de aula, seja nas escolas regulares, seja nas escolas de idiomas, que acaba por tolher consideravelmente a promoção da fluência comunicativa. Suas obrigações relacionadas à grade curricular e ao calendário, para não dizer seu próprio material didático, fazem com que pouco tempo seja de fato investido no que mais importa.
Role play vs. Simulação
Livre dessas amarras, sinto-me à vontade para investir no role play e na simulação enquanto estratégias de ensino. E o que a simulação e o role play têm em comum? Muito. Veja abaixo como todas as suas virtudes atendem às necessidades mencionadas acima:
- Proporcionam prática relevante e realista. Ambos podem simular experiências familiares ao aluno, assim como pode prepará-lo para papéis e tarefas específicos em sua rotina profissional, proporcionando-lhe a oportunidade de praticar a linguagem necessária nesse contexto, para não mencionarmos a possibilidade dele se familiarizar e construir habilidades sociais na língua-alvo, tão necessárias no âmbito profissional;
- Uma oportunidade de prática e de interação motivadora e segura. Ambos oferecem ao aluno uma ótima oportunidade de comunicação, especialmente se para quem não tem a oportunidade de praticar seu inglês regularmente. Também proporciona amplas possibilidades de interação e cooperação entre ele e seus pares, gerando grande engajamento e motivação. Por fim, garante um ambiente seguro no qual o participante não necessita expor sua individualidade demasiadamente, o que é um obstáculo para muitos, visto que tem apenas um papel a desempenhar, sem que necessite se comprometer com o que fala (Harmer, 2007);
- Promovem a comunicação autêntica, fazendo com que o aluno lide com o que Ladousse (1987) denomina ‘a natureza imprevisível da linguagem’. Mas não é só: tem como foco não apenas a adequação da linguagem, em vez da correção gramatical, como também o uso funcional do idioma em tarefas relevantes para o aluno.
- Promovem o desenvolvimento da conversação através da conversação. Ou seja, falar se aprende falando. Ambos colocam o aluno em seu devido lugar: no centro da ação. Seu caráter imersivo é uma oportunidade única de comunicação, ajudando o aluno a conquistar autoconfiança em seu inglês, desenvolvendo sua fluência. Além de utilizar uma quantidade de linguagem bem maior que em outras tarefas (Harmer, 2007).
- A diversão e o engajamento que proporcionam podem levar a um melhor aprendizado e, consequentemente mais confiança, motivação e fluência (Harmer, 2007). Por exemplo, numa simulação na qual ocorre uma competição, o desejo de vencer gera prazer e satisfação, que muitos autores associam com experiências de aprendizagem positivas. Além disso, o compromisso com a tarefa e com o objetivo de vencer, somado a um processo dinâmico no qual não há tempo a perder, leva o aluno a deixar de lado o rigor excessivo em relação à correção gramatical, privilegiando a comunicação e fazendo uso de seu repertório linguístico.
As virtudes da simulação
Porém, considero necessário ir além do role play puro e simples a fim de ajudar meus alunos a se desenvolverem enquanto usuários competentes do idioma, especialmente os adultos. Desta forma, elegi a simulação, pois contém todas as características necessárias para chegar o mais próximo possível das necessidades linguísticas do aluno. E o que torna a simulação ainda mais atraente que o role play para o aluno adulto que busca aprimoramento para seu inglês? Segundo Kerr (1977) e Sturtridge (1977), a simulação:
- é regida por informação, dados ou um cenário, juntamente com um objetivo claramente definido;
- possui procedimentos a serem seguidos, ou estágios a se completarem;
- faz com que seu participante aceite procedimentos, comportando-se na situação como se esta fosse real;
- faz com que o participante assuma um papel que pode, ou não, ser próximo de sua ocupação na vida real;
- faz com que o papel do participante o leve a adotar atitudes ou opiniões bem diferentes das que adotaria na vida real;.
- tem movimentos e um resultado final muito menos previsíveis que as de um típico jogo;
- tem um resultado final que é produto de numerosas decisões tomadas individualmente ou conjuntamente pelos participantes, bem como da interação de suas personalidades durante o processo de tomada de decisão;
- proporciona ao participante a oportunidade de treinar e ensaiar a linguagem que mais tarde irá necessitar;
- durante a interação, o professor pode se manter afastado da ação, especialmente quando um grupo de profissionais qualificados se encontra envolvido uma discussão profissional simulada;
- tem uma estrutura atraente para quem elabora a atividade, já que permite a integração de diferentes tipos de materiais, bem como a prática de diferentes habilidades.
Uma bela dose de diversão
Mas, por que não uma dose de diversão? Afinal, como às vezes acontece quando se realiza uma simulação com seriedade maior que a desejável, seja na sala de aula, seja num treinamento corporativo, pode-se fazer dela um RPG (role-playing game) no qual haja, por exemplo, um forte elemento de competição. Assim, como já mencionamos acima, estão praticamente garantidos o engajamento e a motivação do aluno, bem como uma experiência de aprendizagem valiosa. No fim das contas, trata-se de brincar de business, não é mesmo?. Não à toa, Ladousse (1987) vê o role play como algo que guarda “muito em comum com um grupo de crianças brincando de escola, médicos e enfermeiras, ou Guerra nas Estrelas.”
Conclusão
Em resumo, a simulação, uma forma mais complexa e abrangente de role play, se realizada como RPG, pode reunir o melhor de dois mundos. Ela promove comunicação genuína, produtiva e relevante para o aluno ao mesmo tempo em que este pode fazê-lo de maneira descontraída e divertida, constituindo-se uma experiência única de aprendizagem e de aprimoramento do inglês.
Bibliografia
Budden, J. (2004). TeachingEnglish. Recuperado em 02 10, 2019 de https://www.teachingenglish.org.uk/article/role-play
Harmer, J. (2007). The practice of English language teaching. Harlow: Pearson Longman.
Kerr, J. Y. K. (1977). Games and Simulations in English Language Teaching. In P. B. Early, Games and Simulations and Role Playing (pp. 5-10). ETIC Publications/The British Council.
Ladousse, G. P. (1987). Role Play – Oxford: Oxford University Press
Sturtridge. G. (1977). Games and Simulations in English Language Teaching. In P. B. Early, Games and Simulations and Role Playing (pp. 10-13). ETIC Publications/The British Council.
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